Vermelho Carmim

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Para falar daquele momento tão especial que vivemos nos anos 1970, em que descobrimos não só o feminismo, mas descobrimos a vida de alguma maneira, é preciso lembrar, necessariamente, o contexto que enfrentamos naquele período. Um regime militar ainda em seu período mais duro, repressivo, as torturas acontecendo, mortes, a liberdade de expressão completamente tolhida. Um momento de muita luta por esses direitos fundamentais, que nós travamos juntamente com uma série de companheiros, não só jornalistas.

Mas ao mesmo tempo estávamos também descobrindo o mundo e essa descoberta passou pelo feminismo, sobre a importância de nos reconhecermos como mulheres, com uma condição, com nossa especificidade dentro daquela luta maior. E que muitas vezes nos sufocava, porque a questão feminina era sempre vista como uma questão secundária, que deveríamos esperar: “Esperemos pelo momento em que estivermos livres da ditadura, esperemos o momento em que tivermos melhores condições sociais”. Mas o que nos descobrimos, particularmente naquele momento, falo aqui centrada no ano de 1975 – o Ano Internacional da Mulher – o que a gente descobriu é que essa luta tinha uma relevância enorme, era parte, não apenas de uma luta política e ideológica contra um regime ditatorial, mas como parte de um processo de libertação. Não só pessoal como social.

A desigualdade atinge as mulheres de uma forma muito mais contundente naquele momento – acho interessante relembrar, porque a gente discutia a questão da dupla jornada, discutimos muito a questão das creches, tão pouco comentada hoje, mas que nos pareceu fundamental, justamente por essa consciência social que a gente trazia da nossa luta mais ampla. Acredito mesmo que aquele momento trouxe ao movimento feminista, naquele contexto, um enraizamento muito forte dentro da questão da democracia, da luta pela democracia. As mulheres foram fundamentais no processo de redemocratização e também queríamos que suas questões fossem abordadas [dentro desse processo], a questão da igualdade, de trabalho, salariais, proteção a maternidade, até mesmo o direito ao aborto.

Acho que nós, mais do que abrir as portas, escancaramos portas que estavam fechadas. Lembro-me muito bem da dificuldade que foi organizar os eventos, em que tive uma participação relevante, juntamente com Mirian Chrystus, Beth Almeida, Beth Fleury e outros companheiros e companheiras. Lembro-me a dificuldade que foi organizar aquele evento [Seminário de 1975] que era simples, mas tinha um caráter de ineditismo, naquele contexto de Minas Gerais e Belo Horizonte. E conseguimos realizar isso dentro das condições mais adversas. E trouxemos à luz temas que ainda hoje são fundamentais.

Durante muito tempo, de alguma forma até melancolicamente, eu achava que toda aquela luta havia sido perdida, porque eu não via muita evolução na questão da mulher no Brasil. Não via progressão em tudo aquilo que lutamos, pelo contrário, eu achava até que tínhamos regredimos. Mas hoje já tenho uma visão mais otimista, vejo o interesse das mulheres jovens, dos próprios homens mais jovens em conhecer essa luta, ouvir as mulheres. Vejo muitos avanços que vieram daquela luta lá de trás, de grão em grão, foi construindo uma consciência. Acredito que hoje essa luta esteja em um estágio mais avançado, mas que ainda temos uma longa jornada.

Para mim foi também uma libertação, uma forma de me conhecer, de saber como eu queria estar no mundo. E essa forma de estar no mundo, como mulher, como pessoa consciente dos seus direitos.

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