Vermelho Carmim

logo001

Muito além de um slogan

 

Antes que o tempo de duas gerações torne difícil o registro de experiências, certas inquietações trazem perguntas aos que ainda podem resgatar documentos e suas próprias memórias. Assim começamos a nos perguntar o que podemos dizer sobre como se iniciaram as movimentações das mineiras, nos anos 70 e 80 do século XX. Como se organizaram para lutar por seus direitos na etapa reconhecida como a segunda onda do feminismo? As considerações levam em conta, de um lado, dificuldades no circuito Rio-São Paulo em considerar como iguais as manifestações periféricas. De outro lado, é preciso perceber os efeitos que essa hierarquia de poder entre as regiões produz no ambiente local, trazendo a discrição (marca cultural dos nascidos em Minas) como explicação para o habitual silêncio sobre um passado recente. Tudo parece lembrar um pacto de subordinação. Por questões como estas, é possível perceber a delicadeza que envolve o processo de se levantar o véu sobre pequenos fatos e grupos e motivações que levaram a vida social a outros momentos. 

Citemos o exemplo concreto do slogan “QuemAmaNãoMata”. Mesmo em Minas, raros grupos das gerações pós 1980, se dão conta do enlace de circunstâncias histórico-políticas que se recusavam a passar (o regime militar) com o efeito contra-discursivo da cultura hippie se instalando também no Brasil e alguns fatos que encontraram o momento para romper ou alterar a ordem, revelando sua capacidade disruptiva.  Produzir alguma compreensão sobre a dimensão desses processos e, ao lado disso, pensar a sociedade em que se vivia neste período foi um dos primeiros objetivos que levaram à criação do projeto que intitulamos “Vermelho Carmim – Uma História das Mineiras em Luta por seus Direitos”.   Inserir nas narrativas nacionais memórias de líderes mineiras originárias parece ser apenas uma consequência. Os registros de recordações e análises recolhidas nessa pesquisa trazem a público, além do contexto, modos de pensar e agir vividos por uma geração de mulheres e homens que em Minas estiveram envolvidos nesses atos nomeados aqui de disruptivos. Reunir em um website o acervo que essa proposta produziu é uma necessidade natural destes tempos. Aqui está uma primeira tentativa de resgate destas memórias. Esperamos que estes registros feitos aqui incentivem historiadoras/es ou outras/os estudiosas/os e que novas propostas surjam nessa direção. Seja indo em busca dessas mulheres ou de outras – muito jovens naqueles loucos anos 70; hoje, senhoras acima dos 60 anos de idade. E de certos homens esclarecidos.

          Este projeto compõe um conjunto de outras iniciativas de pesquisa selecionadas pela direção da Fiocruz Minas para receberem patrocínio de emendas parlamentares – neste caso, foi o mandato da deputada federal Áurea Carolina (do PSOL) que tornou possível a realização desse trabalho. Uma lembrança especial e gratidão à nossa colega da Fiocruz Minas, Carolina Lara que, além de grande profissional de gestão, atuava em 2020 no gabinete da então diretora Zélia Profeta (uma apoiadora em tantos momentos). Carolina Lara teve a feliz iniciativa de nos sugerir a criação de um website com o pequeno acervo que já tínhamos, visto que a liberação dos recursos acontecia em plena pandemia de Covid-19 e a ideia inicial tinha se tornado impossível. Salve Carolina que, ao contrário da musa na canção do Chico, prefere atuar sempre e ainda tem janela pra olhar.

 

O conteúdo

 

Como resultado do esforço de uma grande e variada equipe, aqui podem ser encontradas fotos históricas, depoimentos em vídeo, crônicas escritas exclusivamente para este projeto, textos editados (extraídos dos vídeos), onde as personagens centrais destas ações e movimentos relatam suas experiências e lembranças. São mulheres que também deram sua contribuição em outras áreas, para além da luta feminista. Portanto, nas entrevistas há reflexões sobre os costumes de sua época, seus sonhos e práticas dos tempos da resistência democrática e também memórias da redemocratização. Produzimos alguns vídeos com depoimentos que resgatam o contexto político e cultural dos anos 70 e 80. Foram localizadas líderes feministas, historiador/ator, jornalista, advogado, diretor de teatro, dramaturgo, poeta – são muitos os personagens que nos doaram seu tempo e lembranças e a quem somos muito gratos. 

Ao lado disso, pedimos ao diretor de teatro Pedro Paulo Cava a criação de um trabalho que levasse para o território das artes a discussão sobre violência praticada por homens contra mulheres. Como resultado disso, temos também aqui um vigoroso espetáculo teatral, baseado em estudos acadêmicos sobre mulheres em situação de violência e sobre processos de socialização aos quais homens autores de violência foram submetidos. “Vermelho Carmim – Fragmentos do Discurso Violento” é o nome dessa vídeo-peça. O texto foi escrito por Jair Raso e Andréa Silveira Raso, com direção de Pedro Paulo Cava e grande elenco. Para que esse trabalho teatral chegasse a bom termo, também tivemos a generosa contribuição e alguns relatos de integrantes do atual Movimento QuemAmaNãoMata, que não podemos deixar de citar. Críticas, relatos pessoais e um olhar atento nos foram emprestados por Mírian Chrystus, Dinorah do Carmo, Áurea Dreyfuss, Mirtes Helena Scalioni, Simone Francisca de Oliveira. Valeu a pena o esforço – assim tem se dado a parceria com o QuemAmaNãoMata. 

A todas/os que contribuíram deixamos nosso agradecimento.

Elizabeth Maria Fleury-Teixeira

Coordenadora do projeto 

 

Por trás das câmeras

Fotos de Fernando Rabelo

Integrantes do projeto

Cinco crônicas  para ver o mundo

 Personalidades expressivas das lutas culturais e políticas na Minas dos anos 70/80 prepararam crônicas exclusivas para o site. Numa delas, a conhecida cientista política Tânia Quintaneiro relata suas transformações de menina em mulher, no contexto daqueles bravos anos 70. Em outra, o jornalista Charles Magno Medeiros,  referência  no Brasil nos grandes jornais da segunda metade do século XX, fala de suas impressões, pelo olhar de alguém que se sentou com as mulheres em 1975 no primeiro seminário feminista de BH . Bernardo da Mata-Machado, historiador e ator,  deu um intervalo no  livro que está preparando e conta sua participação como ator em um júri simulado em 1983, em praça pública. A socióloga  e profa. da PUC-Minas, Eliana Fonseca Stefani, compartilha suas memórias da experiência vivida no CDM (Centro de Defesa dos Direitos da Mulher) no contexto do regime militar. E a cientista política Zélia Rogedo, braço direito de Da. Helena Greco no Movimento Feminino da Anistia e fundadora do MDB Mulher na Minas dos anos 80, nos empresta as memórias de alguém que não desiste da luta, pelo contrário, nos ensina como alimentar estes sonhos de justiça social.

Foto: Arcevo pessoal

Vida de mulher

Por Tânia Quintaneiro

Cientista política, professora aposentada do Departamento de Ciência Política da UFMG.

Foto: Arcevo pessoal

Seminário Mulher Brasileira em Debate

Por Charles Magno Medeiros

O jornalista mineiro Charles Magno, há décadas atuando em São Paulo, deu seu depoimento sobre o evento inaugural do movimento em Belo Horizonte.

Foto: Fernando Rabelo

A grande vaia

Por Bernardo Mata-Machado

Historiador, cientista político, ator e diretor de teatro. 

Foto: Arcevo pessoal

Breve história do centro de Defesa dos Direitos da Mulher – BH

Eliana Fonseca Stefani

Socióloga, professora aposentada da Puc-Minas, ativista histórica do feminismo mineiro.

Foto: Arcevo pessoal

Pequeno relato da minha trajetória em movimentos feministas

Por Zélia Rogedo

Socióloga e importante ativista do Movimento Feminino da Anistia , fundadora do MDB Mulher em Minas.

Pular para o conteúdo