ALOÍSIO MORAIS
Coerência de um sonho editorial e político
Reconhecido jornalista mineiro com passagem por importantes veículos da mídia escrita de Minas e sucursais em Belo Horizonte de grandes jornais/revistas, Aloísio Morais fez seu batismo de fogo na profissão vivendo interessantes experiências no jornalismo independente. Entre estes estão o jornal “Vapor”, a revista “Circus” e o importante jornal “De Fato”, do qual foi editor e que reuniu um grupo eclético de jovens jornalistas, artistas gráficos, fotógrafos, mulheres emblemáticas do feminismo mineiro. Morais está na história da resistência político-cultural ao regime militar e representa a integridade e ousadia da imprensa de Minas, onde fincou pé e construiu um nome respeitado. Em seu depoimento, Aloísio Morais resgata as memórias dos anos 70 e 80 para contextualizar o momento rico e desafiador onde as mineiras marcaram sua posição nas ruas e também nas redações.
Carmem Rodrigues (CR): Aloísio, olhando para aquela época de universidade e início da vida no jornalismo, como você explicaria a necessidade que sua geração teve de trabalhar com o jornalismo alternativo?
Aloísio Morais (AM): Era o governo Médici, pegamos logo de cara um governo Médici (1). Eu tinha vindo do interior, fui criado em Caratinga. Nasci em Governador Valadares. Eu passei quatro anos no colégio interno Dom Bosco, em Cachoeira do Campo, perto de Ouro Preto. Em 1966, eu terminei o ginásio e coincidiu que a minha família mudou de Caratinga para Belo Horizonte. E fomos justamente para o bairro Santo Antônio, a uns 100 metros da FAFICH – Faculdade de Filosofia da UFMG. E era uma loucura ali na FAFICH. Aquele movimento estudantil, aquela movimentação toda, prisões, Beatles, Rolling Stones, as drogas. Em 1970 tivemos o primeiro vestibular único da UFMG que foi lá no Mineirão, uma loucura. Então fui fazer o vestibular para Comunicação Social. Eu passei, entrei no curso de jornalismo. Antes eu tinha passado pelo Colégio Estadual Central, na época em que a Dilma [Roussef] e o Fernando Pimentel estudaram lá.
Era uma efervescência danada na FAFICH… Fui entrando e já me elegeram presidente do CEJ – Centro de Estudos de Jornalismo. A gente inclusive trouxe o Chacrinha para um bate papo com os estudantes. E acabei entrando para o DA – Diretório Acadêmico da FAFICH que tinha sido fechado pela Ditadura, com a turma do Idalísio Aranha – que foi assassinado na guerrilha do Araguaia junto com a namorada. Foi a primeira diretoria do DA depois que tinha sido fechado pela Ditadura – só tinha gente politizada, e eu me sentindo um estranho no ninho.
O Rodrigo Leste (2) tinha a mesma ansiedade minha e ele tinha feito uma viagem pelos Estados Unidos e lá teve contato com a imprensa Underground. E ele chegou aqui entusiasmado para fazer aqui um jornal, uma imprensa underground. E as coisas se encaixando, por que do outro lado o DCE – Diretório Central dos Estudantes da UFMG – estava com uma diretoria nova, só gente genial. O presidente era o Virgílio Guimarães de Paula – foi deputado federal, estadual –, o Flávio Serpa, o João Campeão, o Flávio Andrade. A grande ideia deles foi querer fazer um jornal. Então o Diretório Central dos Estudantes comprou uma máquina impressora super moderna – rotaprint – e a Cecília Magalhães Gomes, que estudava História e era liderança estudantil do D.A. (Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas da UFMG), resolveu me chamar [para o projeto do jornal]. Eles já tinham até o nome do jornal: Gol a Gol – se pegá com o pé é dibra. O nome se referia a uma brincadeira de criança, no futebol na rua. Aí chamei o Rodrigo [Leste] para me ajudar a fazer o jornal – ele topou na hora.
Fizemos o número 1, mas atrasou muito; ficou pronto somente em Dezembro – os estudantes já tinham saído para as férias. Então, eu disse ao Rodrigo: “Temos que distribuir isso ou vai virar lixo”. Aí surgiu o pulo do gato, tivemos a ideia de vender. Colocamos debaixo de braço e fomos vender. Saímos em um domingo para a Feira Hippie, na época acontecia na Praça da Liberdade – eu, o Rodrigo Leste e a Nely Rosa, sua namorada. E Gol a Gol vendeu igual água. Na época não existia nada parecido, todo mundo ficou curioso e quis comprar.
Levantamos uma grana com isso e pensamos que com esse dinheiro poderíamos fazer um jornal nosso. Com isso montamos o jornal O Vapor. Começamos a chamar gente e começou a pintar um monte de malucos – chargistas e ilustradores, que depois ficaram famosos [inclusive Aroeira, à época estudante de Medicina na Federal de Minas]. Também fizemos do mesmo jeito: colocamos debaixo do braço e saímos vendendo pela cidade. Então vimos que tinha uma carência na juventude da época por esse conteúdo.
Como para nós O Vapor era um jornal, tivemos a ideia de paralelamente criar uma revista, a Circus. Começamos a fazer ali umas matérias mais provocantes, como reportagens com a TFP (3), ou aquela a respeito do Antônio Luciano (4). A gente queria fazer uma coisa mais provocativa [na revista Circus], aproveitando o pessoal que já estava com a gente – eles produziam muito. Fizemos reportagens que ganharam repercussão nacional como a da TFP, por exemplo, entrevistamos um ex-integrante da TFP. Essa matéria o Jornal do Brasil republicou e ganhou o noticiário nacional. Depois o jornalista Durval Guimarães [à época conhecido por seu trabalho na sucursal da Revista Veja] fez outra reportagem sobre o assunto. Mas esta foi censurada no jornal Movimento ou Opinião. Por isso nós publicamos esta matéria na Circus – era aquela a respeito do empresário Antônio Luciano.
Tanto no caso de O Vapor como da Circus, o endereço registrado era a casa da minha família no bairro Santo Antônio [tradicional bairro de intelectuais, professores e estudantes da Fafich-UFMG]. Um belo dia, baixa a Polícia Federal para apreender a edição da Circus [sobre o Antônio Luciano]. Não tinha muita coisa lá na casa de minha família, mas deixaram o auto de apreensão dizendo que a Circus era considerada revista (porque era grampeada). E, pelas regras estabelecidas na Polícia Federal, deveríamos ter que pedir autorização para publicar. Tivemos que mandar um pedido de autorização, mas a Polícia Federal simplesmente censurou toda a revista: da capa até a contra contracapa! A única publicação daquela época que tem a marca da censura da capa até a contracapa era essa edição da Circus. Foi um balde de água fria na gente. Por isso a revista acabou, acabou levando O Vapor também. Isso tudo se passou entre 1972 e 1975.
(CR): Como foi sua experiência profissional no Jornal de Minas?
(AM): Lá eu fui um pouco de tudo – fui repórter, editor, trabalhei como secretário de redação junto à gráfica. Fiquei lá até que veio o fatídico assassinato do [Vladimir] Herzog (5) e o jornal soltou um editorial apoiando o que foi apresentado pelo governo militar como suicídio. O texto do editorial era super reacionário, deixou todo mundo revoltado. Com esse episódio, quem pode sair foi embora – mas eu precisava daquele salário e por isso fiquei lá um tempo. Aqueles que saíram foram maturando a ideia de fazer um jornal que fosse nosso. Aí veio a ideia de fazer o [jornal] De Fato.
Mas a gente não tinha dinheiro para fazer o primeiro número, então fizemos uma vaquinha – essas primeiras reuniões aconteceram na casa do Edson Martins, era jornalista no Diário do Comércio e também do grupo do Jornal dos Bairros [imprensa de conscientização que trabalhava com tanto com o movimento operário como o movimento social nos bairros em Contagem, MG]. E o jornal De Fato passou a funcionar em minha casa. Nós tivemos que ceder nosso quarto de casal – meu e da Mirian [Chrystus] –, que ficava na entrada da casinha de fundos que a gente alugava no bairro da Floresta. Ali se tornou a redação do De Fato.
(CR): Como era viver nesse espaço?
(AM): Era uma loucura! As reuniões viravam a noite e muitas vezes aconteciam aos sábados e domingos – discussões, debates políticos, análise de conjuntura.
(CR): Você trouxe as experiências das revistas alternativas para o jornal De Fato?
(AM): Em parte sim – a venda nas ruas, nos bares. O Vapor a gente já tinha colocado em banca, então eu conhecia alguns donos de bancas com quem tínhamos um acordo: a gente dava 30% de participação pra eles. Isso interessava aos que se dispunham a trabalhar com a gente: enquanto os jornais e revistas tradicionais roubavam deles, com um percentual pequeno, o nosso era considerado bem alto. Então eles ficavam entusiasmados para vender nossas publicações. Também captávamos alguns patrocínios.
(CR): E no ambiente da sua casa, além do jornal, também aconteciam outras discussões. Foi lá que você se integrou ao feminismo?
(AM): Juntou esse mulherio todo! Todas com caráter feminista. Assim como juntou também chargistas, na revista o Humordaz – as tirinhas eram publicadas pelo Diário da Tarde, mas eles pararam e levamos pra lá, para as páginas do De Fato. O cartunista Aroeira, hoje famoso, era do grupo. Então essas mulheres começaram a discutir os problemas e, inclusive, trazer ideias de matérias sobre a questão da mulher. Quero dizer que dali naquele espaço também saiu um grupo de mulheres feministas. Nas redações não havia mulheres. Por exemplo, quando eu fiz estágio no Estado de Minas, ali só tinha uma mulher e nem jornalista era. Então, a partir da criação dos cursos de Comunicação e da obrigatoriedade do diploma, começaram a surgir mulheres no jornalismo – elas foram ocupando esse espaço nas redações. Hoje você vai as redações e tem mais mulheres que homens.
Também surgiram outras publicações feministas: em São Paulo tinha um jornal chamado Nós Mulheres; também tinha o Brasil Mulher e Mulherio Então, temos essa memória que me deixa orgulhoso: começou no espaço do De Fato e em nossa casa, essa discussão em torno da mulher, do feminismo, do combate ao machismo.
MIRIAN CHRYSTUS
NELY ROSA
RODRIGO DA CUNHA PEREIRA
ELIZABETH ALMEIDA
ALOÍSIO MORAIS
PEDRO PAULA CAVA
ELIZABETH FLEURY
CONCEIÇÃO RUBINGER
BERNARDO DA MATA MACHADO
REALIZAÇÃO
PARCERIA
APOIO FINANCEIRO
Emenda Parlamentar, mandato da deputada federal Áurea Carolina (PSOL)
APOIO INSTITUCIONAL
Fundação Oswaldo Cruz